No seu artigo de 16 de abril de 2020 (*) o José
António Rousseau defende o fim da proibição para o setor grossista de vender
apenas aos profissionais e aproveita, entre outros, o exemplo da abertura atual
das lojas Makro de Portugal aos consumidores finais - em resposta à situação
excecional e inédita provocada pela pandemia do Covid-19 - para dar força à sua
ideia.
Os grossistas
independentes - um setor económico sob
tensão desde há quase quarenta anos,
No fim do século passado, o desenvolvimento e o
sucesso em Portugal da distribuição moderna, ou seja o desenvolvimento de
cadeias de hipermercados e de supermercados, pôs um travão brutal ao controlo
do setor alimentar pelos grossistas que ainda na altura abasteciam várias
dezenas de milhares de lojas. A conquista do mercado Português pelos grupos de distribuição
retalhista moderna incluía o desaparecimento dos grossistas. A lógica é simples
de perceber: o desaparecimento de uma boa parte do retalho tradicional teria
feito desaparecer os grossistas tradicionais e, sem grossistas, os retalhistas
tradicionais sobreviventes teriam deixado de ter a fonte de abastecimento e
teriam desaparecido rapidamente, deixando a via livre para o controlo total do
mercado pelas empresas de distribuição moderna.
Estudos dos anos 90 projetavam um desaparecimento a
curto prazo do retalho tradicional e por ricochete do sector grossista.
Trinta anos depois
podemos observar que mesmo com uma evolução clara do mercado da distribuição,
ainda existe um conjunto de grossistas independentes que abastecem com
regularidade perto de 10.000 lojas do retalho alimentar. Nem tudo é cor-de-rosa
mas, os grossistas independentes aguentam. As centrais tais como Euromadiport (de
que faz parte a central UniMark), Uniarme, Unapor continuam ainda de pé e prosseguem
os seus serviços para os seus associados espalhados pelo país.
Mas, podemos
imaginar, como exercício de reflexão, a abertura dos cash & carry aos
consumidores finais.
No que respeita aos grossistas independentes, se
calhar não haverá a tal catástrofe com que sonham os pássaros de mau agoiro,
pois de repente poderão dizer em alto e bom som que são os únicos capazes de
abastecer os retalhistas independentes sem lhes fazerem concorrência. Aliás, seria a sua única alternativa porque a maior
parte dos grossistas independentes não tem nem meios nem estrutura que permita receber
um fluxo forte de consumidores finais. Por exemplo, apenas uma estreita minoria
de grossistas independentes pode proporcionar um parque de estacionamento para
um fluxo forte de consumidores finais.
Mas será que
abrir os cash & carry aos consumidores finais será uma boa operação para a
Makro?
Deixo aqui ideias para o Sr. #DavidAntunes CEO da Makro Portugal.
À priori, as lojas da Makro Portugal possuem uma
estrutura que permitiria uma rápida mutação caso fosse necessário, quer em
termos de espaço de venda, quer em termos de parque de estacionamento que
permite absorver facilmente um fluxo interessante de consumidores finais.
Mas, vários pontos espinhosos podem ser levantados:
- Se a ligação com o retalho alimentar nunca foi a
melhor, desta vez seria uma rutura profunda. E pior ainda, se os grossistas
tradicionais não entrarem nesta via de forma óbvia;
- Se a Makro se comportar como qualquer ator da
distribuição retalhista, ela deixará de poder tirar proveito do seu estatuto de
empresa líder no fornecimento ao segmento HORECA;
- Será que a Makro Portugal tem os meios para poder
competir com insígnias do retalho alimentar, estruturadas e fortes, como Continente,
Pingo Doce, Intermarché e Lidl? Devemos relembrar que o ponto de equilíbrio de
uma empresa de distribuição se situa num patamar de 20 unidades. O exemplo da
Mercadona deveria ser suficiente para perceber que entre o desejar e o obter há
um abismo, composto por muito tempo, muita energia e muito dinheiro;
- As lojas de grande porte não são, hoje, os
formatos mais procurados por consumidores envelhecidos que querem ter ao pé de
casa uma loja de média dimensão, onde é fácil mover-se e encontrar uma gama
alargada de produtos.
Por fim, os mercados são o que são, país a país.
Nem sempre o que funciona num país funciona num outro. Podemos ver que o
hard-discount passou vários maus momentos (2 décadas) em França, e foi
necessário que Lidl France atualizasse totalmente o seu conceito para poder
evoluir positivamente. Auchan, Carrefour, Intermarché passaram um mau bocado na
Itália. Sonae não conseguiu ter sucesso na sua aventura brasileira. A Costco, insígnia
forte nos Estados Unidos, da qual falei no blog alojadaminharua quando abriu em
Sevilha, implantou-se na Espanha e também em França, e parece ainda hoje estar reduzida
a uma expressão confidencial. Quanto a comparar os mercados Português e
Angolano dos cash & carry, acho que é um exercício muito arriscado.
Boa
reflexão e, bom trabalho.
O seu sucesso está nas suas mãos!
RB