Na sequência dos “posts” das últimas semanas,
falar dos limites de “um pouco de tudo”
é falar do fosso que separa cada vez mais, numa marcha lenta mas inexorável, o
mundo rural do mundo urbano.
O “um pouco de tudo” na sua versão urbana
As grandes insígnias da
distribuição presentes em Portugal sabem que o comprimento do sortido, que
geralmente gerem nos formatos hipermercados e supermercados, é incompatível com
a superfície de uma loja urbana, de rés-do-chão de prédio, e por ricochete com o
seu linear desenvolvido, mesmo otimizado.
Elas sabem que têm de gerir
uma certa cobertura das necessidades (a largura do sortido) e uma certa
cobertura das motivações de compra (a profundidade do sortido) dos
consumidores.
Para guardar uma boa
cobertura das necessidades e motivações de compra dos consumidores, os líderes
da distribuição em Portugal desenvolvem lojas urbanas em que uma das
características principais é um investimento inicial avultado.
É fácil entender
que para um comerciante independente um tal investimento seria uma aventura muitíssimo
arriscada.
Em paralelo, temos lojinhas
de bairro posicionadas numa lógica do “um pouco de tudo” mas que, por falta de
espaço, propõem lojas muito confusas. Essas lojas têm cada vez mais uma menor expressão
em termos de peso no universo da distribuição e, uma grande parte delas irá
desaparecer nos próximos 10 anos.
O “um pouco de tudo” na sua versão rural
O envelhecimento da
população em simultâneo com a fuga dos mais jovens deixa o mundo rural numa
posição complicada. Como fazer negócio de forma rentável nestas condições? As grandes
insígnias posicionaram-se apenas nos centros urbanos regionais e o resto dos territórios
do interior ficou para os retalhistas independentes.
Assim, no mundo rural temos
um aparelho comercial, falando do comércio alimentar, que vive ou sobrevive
como pode. O mercado é constituído em boa parte por pessoas idosas, que também
são grandes clientes dos centros de apoio de dia, e que em razão da sua idade
consomem pouco. Aqueles que têm familiares motorizados fazem uma parte das suas
compras no fim da semana na cidade mais próxima. A atividade comercial é de um
grande tédio mas, para responder aos pedidos dos fregueses, os retalhistas têm
muitas vezes um sortido composto por “um pouco de tudo” para tentar, dizem
eles, fixar os clientes.
Afinal, os retalhistas do
setor alimentar vão andando, num contexto pouco dinâmico, e uma boa parte deles
trabalha para se pagar o rendimento mínimo.
O momento é favorável ao aparecimento da especialização
Como foi sublinhado supra,
o preço do m2 de espaço comercial na cidade, quer em termos de arrendamento
quer em termos de compra, complica o acesso ao negócio de rua para os independentes;
O comércio generalista de
cidade está a ficar nas mãos dos grupos organizados, do comércio integrado ou
associado;
Uma nova geração está a
chegar ao “poder” nas empresas de produção especializada, tais como as empresas
de produção de enchidos, salsichas, queijos e outras. É uma geração de gestores
bem formados que sucedem ao fundador, especialista dos produtos mas menos
gestor;
Para esses pequenos
produtores e transformadores, entrar em linha nas grandes insígnias, não é
forçosamente uma prioridade. Eles não parecem querer trocar a qualidade pela
quantidade e os investimentos avultados que isso implica;
As evoluções na cadeia da logística
permitem uma gestão facilitada de circuito curto;
O desenvolvimento das
tecnologias permite-lhes uma ligação direta com os consumidores;
Os consumidores sabem fazer
a diferença entre “o valor do consumo local ou regional” e a produção
massificada e impessoal;
Um segmento de consumidores
prefere comer melhor do que comer mais;
…etc.
Aparecem pessoas com a vontade de ter um negócio próprio baseado
na especialização
- A especialização permite
ter uma loja com uma superfície reduzida e portanto com menos custos de base;
- A especialização permite
ultrapassar a barreira da concorrência das grandes insígnias;
- A especialização articula
uma relação de interdependência entre as empresas fornecedoras de pequena e média
dimensão e os comerciantes, ambos sabendo que dependem da dinâmica uns dos
outros;
…etc.
A especialização, contrariamente ao livre
serviço que foi fórmula de sucesso dos últimos 40 anos, propõe uma alternativa
à massificação e ao frenesim de consumo.
Boa reflexão e
bom trabalho,
O seu sucesso
está nas suas mãos!
RB
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