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domingo, 24 de março de 2019

Os limites de “um pouco de tudo”


Na sequência dos “posts” das últimas semanas, falar dos limites de “um pouco de tudo” é falar do fosso que separa cada vez mais, numa marcha lenta mas inexorável, o mundo rural do mundo urbano. 

O “um pouco de tudo” na sua versão urbana 
As grandes insígnias da distribuição presentes em Portugal sabem que o comprimento do sortido, que geralmente gerem nos formatos hipermercados e supermercados, é incompatível com a superfície de uma loja urbana, de rés-do-chão de prédio, e por ricochete com o seu linear desenvolvido, mesmo otimizado. 
Elas sabem que têm de gerir uma certa cobertura das necessidades (a largura do sortido) e uma certa cobertura das motivações de compra (a profundidade do sortido) dos consumidores. 
Para guardar uma boa cobertura das necessidades e motivações de compra dos consumidores, os líderes da distribuição em Portugal desenvolvem lojas urbanas em que uma das características principais é um investimento inicial avultado. 
É fácil entender que para um comerciante independente um tal investimento seria uma aventura muitíssimo arriscada. 
Em paralelo, temos lojinhas de bairro posicionadas numa lógica do “um pouco de tudo” mas que, por falta de espaço, propõem lojas muito confusas. Essas lojas têm cada vez mais uma menor expressão em termos de peso no universo da distribuição e, uma grande parte delas irá desaparecer nos próximos 10 anos. 

O “um pouco de tudo” na sua versão rural 
O envelhecimento da população em simultâneo com a fuga dos mais jovens deixa o mundo rural numa posição complicada. Como fazer negócio de forma rentável nestas condições? As grandes insígnias posicionaram-se apenas nos centros urbanos regionais e o resto dos territórios do interior ficou para os retalhistas independentes. 
Assim, no mundo rural temos um aparelho comercial, falando do comércio alimentar, que vive ou sobrevive como pode. O mercado é constituído em boa parte por pessoas idosas, que também são grandes clientes dos centros de apoio de dia, e que em razão da sua idade consomem pouco. Aqueles que têm familiares motorizados fazem uma parte das suas compras no fim da semana na cidade mais próxima. A atividade comercial é de um grande tédio mas, para responder aos pedidos dos fregueses, os retalhistas têm muitas vezes um sortido composto por “um pouco de tudo” para tentar, dizem eles, fixar os clientes. 
Afinal, os retalhistas do setor alimentar vão andando, num contexto pouco dinâmico, e uma boa parte deles trabalha para se pagar o rendimento mínimo. 

O momento é favorável ao aparecimento da especialização 
Como foi sublinhado supra, o preço do m2 de espaço comercial na cidade, quer em termos de arrendamento quer em termos de compra, complica o acesso ao negócio de rua para os independentes; 
O comércio generalista de cidade está a ficar nas mãos dos grupos organizados, do comércio integrado ou associado; 
Uma nova geração está a chegar ao “poder” nas empresas de produção especializada, tais como as empresas de produção de enchidos, salsichas, queijos e outras. É uma geração de gestores bem formados que sucedem ao fundador, especialista dos produtos mas menos gestor; 
Para esses pequenos produtores e transformadores, entrar em linha nas grandes insígnias, não é forçosamente uma prioridade. Eles não parecem querer trocar a qualidade pela quantidade e os investimentos avultados que isso implica; 
As evoluções na cadeia da logística permitem uma gestão facilitada de circuito curto; 
O desenvolvimento das tecnologias permite-lhes uma ligação direta com os consumidores; 
Os consumidores sabem fazer a diferença entre “o valor do consumo local ou regional” e a produção massificada e impessoal; 
Um segmento de consumidores prefere comer melhor do que comer mais; 
…etc. 

Aparecem pessoas com a vontade de ter um negócio próprio baseado na especialização 
- A especialização permite ter uma loja com uma superfície reduzida e portanto com menos custos de base; 
- A especialização permite ultrapassar a barreira da concorrência das grandes insígnias; 
- A especialização articula uma relação de interdependência entre as empresas fornecedoras de pequena e média dimensão e os comerciantes, ambos sabendo que dependem da dinâmica uns dos outros; 
…etc. 

A especialização, contrariamente ao livre serviço que foi fórmula de sucesso dos últimos 40 anos, propõe uma alternativa à massificação e ao frenesim de consumo. 

Boa reflexão e bom trabalho, 
O seu sucesso está nas suas mãos!
RB


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