Em Portugal, a próxima onda de choque em
termos de distribuição alimentar está em curso, e há poucas hipóteses de a
evitar. Este sismo terá mais a ver com a obsolescência de uma franja do
aparelho comercial do que com a dinâmica dos líderes atuais.
A evolução dá primazia aos mais fortes, mais dinâmicos e mais
resistentes
A abertura de lojas com a
insígnia Mercadona, o desenvolvimento contínuo das vendas on-line, a penetração
- como nunca visto - dos centros urbanos pelos líderes da distribuição são
elementos que permitem dizer que vamos viver momentos de grande dinâmica. Não
vai haver nem tréguas nem status quo,
haverá, se calhar e com o tempo, certos ajustes, absorções, porque a dinâmica é
inerente à sobrevivência!
Porque a sociedade está em
constante evolução, nos seus desejos, nas suas expetativas, nos seus
comportamentos, apenas poderão vencer ou continuar a existir aqueles que forem
mais propensos à adaptação. É um exercício complicado
porque se trata de ter todos os dias a vontade e a força de pôr em causa o que
se passou ontem e, de prever as grandes linhas que definem o futuro e as
condições para continuar em jogo.
Os mais fracos estão condenados a desaparecer
A próxima grande evolução
do aparelho de distribuição em Portugal acontecerá com o desaparecimento das
lojas alimentares que não conseguem faturar o mínimo para proporcionar
rendimentos decentes aos seus donos. Como é possível imaginar que lojas alimentares,
minimercados, mercearias, com uma faturação inferior a 200€ por dia tenham um
futuro?
Lojas com nível de
faturação demasiado baixo para remunerar o seu dono em mais do que o ordenado
mínimo não podem fazer parte do futuro. Aliás, são lojas que acumulam um ou
vários fatores negativos tais como:
- O retalhista está numa
situação de fim de vida e utiliza a sua loja como meio para ainda ter uma
atividade social e viver. Este tipo de retalhista não quer investir nem um
centavo, não quer comprar novos equipamentos, não quer reorganizar a sua loja,
não está aberto a novidades ou a novas técnicas. A sua loja está na antecâmara
da morte.
- O retalhista tem uma loja
numa zona geográfica onde a atividade está em declínio e a demografia em queda.
Não é que ele não queira investir; simplesmente ele não pode. O nível de
faturação torna impossível ou insustentável qualquer investimento. A loja está
condenada a morrer!
- O retalhista, em razão de
convicções erradas, não quer mudar e acha que são os consumidores que deveriam
perceber que ele está no bom caminho. Ele acha que ter as portas abertas é
suficiente e que os consumidores são tão ignorantes que preferem as grandes
superfícies à sua loja!
- O retalhista, em razão de
falta de formação técnica e/ou de capacidade em aplicar as técnicas de gestão
moderna de uma loja, toma decisões erradas e vai afundando o seu negócio.
Estas quatro categorias de
retalhistas representam centenas de pontos de venda que estão no fio da
navalha, em situação altamente crítica. Na melhor das hipóteses, não se vê
nestes cenários outra coisa do que uma sobrevivência penosa!
O efeito bola de neve será sísmico
A análise sucinta
apresentada no parágrafo precedente pode ser vista como pré-apocalíptica –
assumo-a como tal - porque a parte apocalítica virá logo depois, ou seja:
Os retalhistas, os mais
envelhecidos, que estão a protelar por razões de protagonismo local ou por não quererem
arrumar de vez as botas, vão acabar por morrer. Em muitos casos, a continuidade
do negócio não está prevista, porque os filhos não querem uma vida de
retalhistas e fizeram a sua vida longe da loja do pai. Aliás, muitas vezes a
continuidade é impossível porque o “produto loja” está no fim da fase de
declínio; a loja vai desaparecer por completo do universo do retalho alimentar.
Os retalhistas que fazem
parte do grupo dos comerciantes que não têm sucesso e/ou que não têm formação
suficiente para avançar mais vão continuar os seus caminhos com muitas
dificuldades. Eles vão ficar cada vez mais pobres, até chegarem ao ponto de -
para muitos deles - terem de fechar a sua loja.
Em paralelo a isso, podemos
observar que insígnias do comércio associado organizadas instalaram-se no
mercado português:
- com lojas próprias e novas:
o exemplo mais forte é a insígnia Intermarché ;
- com a agregação de lojas
de retalhistas independentes de maior consistência, “caçados” em razão das suas
características favoráveis: os exemplos são Meu Super, Coviran, Spar.
Obviamente, nestes grupos, há casos de grandes sucessos e exemplos de fracasso.
No entanto, o que deve ser
observado é que estas insígnias funcionam essencialmente em circuito fechado,
mesmo se a liberdade inerente ao comércio associado permite que certos associados
ou aderentes comprem a outros fornecedores além da própria central. Esta forma
de funcionamento subtrai claramente uma parte do negócio dos grossistas
tradicionais.
Em consequência, o que é o
que fica para os grossistas tradicionais do setor alimentar? Será que o tamanho
e o valor do mercado permitirão evitar uma hecatomba neste canal de
distribuição? Pessoalmente, duvido que haja espaço para que sobrevivam mais do
que alguns atores do setor grossista. A onda sísmica que está a surgir com os
ajustes do setor alimentar retalhista vai atingir com força o setor grossista.
Durante a próxima década, as orações fúnebres vão ser numerosas!
A interligação entre os atores grossistas e
retalhistas da distribuição é tal que existe de facto um efeito dominó entre
eles. A falta de lucidez e de definição de uma estratégia para adaptar as empresas
às evoluções, que são elementos inevitáveis da vida, só podem provocar a prazo,
o colapso de uns e - por efeito dominó - o colapso dos outros.
Boa reflexão e
bom trabalho,
O seu sucesso
está nas suas mãos!