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sábado, 7 de novembro de 2020

Mercadona não me faz sonhar!

Hesitei bastante antes de me decidir a escrever um novo “post” sobre a Mercadona. No início de 2020, tomei a decisão de reduzir o número de artigos publicados, para reservar as minhas análises e observações para os meus clientes. Mas a 22 de Outubro de 2020, passando por Penafiel, vi cartazes assinalando a loja Mercadona e não consegui deixar de lá ir. 

O meu “post” será breve, pois não vou desenvolver os seguintes pontos que apontei: 
A loja não está nada bem localizada; 
Embora haja muitos cartazes sinaléticos na rua, tive dificuldades em chegar à loja. Qualquer coisa falhou na colocação dos cartazes; 
O acesso à loja não é fácil e a saída do parking é perigosa; 
Eram 13h20 e o parking estava deserto e contrastava com os parkings bem ocupados das outras lojas concorrentes; 
Encontrei poucos clientes na placa de venda; 
Detetei um conjunto de falhas em termos de: 
- organização da loja; 
- legibilidade da oferta; 
- informação básica dos produtos; 
- empatia dos colaboradores; 
- capacidade da loja de fazer sonhar os consumidores; 
- ambiente geral da loja. 

A loja Mercadona de Penafiel, uma vez mais, não me fez sonhar! 

Volto a colocar aqui o “post” de 11 de Agosto de 2019, que, na altura, me valeu algumas críticas, às quais respondi prontamente. 

Na categoria hipermercado, o grupo Leclerc enganou-se bem quando pensou que podia chegar e impor, na continuidade da sua liderança em França. Nada aconteceu como previsto! Na categoria discount ou soft discount parece-me que a Mercadona poderá seguir a mesma tendência. 

Um antigo diretor de loja Leclerc em Portugal dizia-me, num tom desabusado: “ O problema é que em Portugal Leclerc pronuncia-se Continente”. Afinal, pergunto-me a mim mesmo se a pronúncia de sucesso da palavra Mercadona não será Lidl? 

Boa reflexão e bom trabalho, 
RB


domingo, 17 de maio de 2020

A culpa é do morcego


A Covid-19 abateu-se sobre Mundo, sem que este estivesse preparado para isso. Nenhum think tank(*) tinha preparado os governos para definir planos para um acontecimento tão forte, mortífero e repentino. Poderemos, mais tarde, conferenciar sobre o que devia ter sido pensado, antecipado, preparado, organizado para fazer face a um flagelo desta envergadura. É fácil imaginar que não haverá culpados entre os governantes, os sábios, e os científicos. In fine, os morcegos serão os únicos culpados por terem despoletado a pandemia da Covid-19. 

Vamos ficar bem 
Estas 3 palavras foram rapidamente difundidas para dizer que afinal vamos sair bem deste momento de tormenta. 
Parecem 3 palavras contrárias ao que vai acontecer porque como tudo na vida tem um preço, e que qualquer conta tem de ser paga, vamos ter de sofrer, e provavelmente sofrer muito. Sofrer para pagar as contas da casa, sofrer para encontrar um novo emprego, sofrer para pagar os estudos para quem tiver filhos na universidade, sofrer para arranjar dinheiro para ir ao médico e pagar os medicamentos, e possivelmente sofrer para pôr comida na mesa! 
De fato, cada segmento da vida dos cidadãos será objeto de sofrimento. Um sofrimento que começou com o medo de apanhar o vírus e a obrigatoriedade de ficar em casa. 

Fiquem em casa, uma frase necessária mas uma frase dolorosa para a economia e o social 
Como negar a amplitude dos problemas, quer económico quer sociais? De forma evidente o social vive dificilmente quando o económico não funciona. Não é uma ideia política, mas sim um facto incontornável e inegável! Nenhum estado “fabrica” dinheiro à noite para ser distribuído logo ao alvorecer! 

O confinamento provocou a queda de sectores pesados da atividade económica
O setor turístico está de rastos. A hotelaria incluindo o alojamento local, a restauração e, por extensão todas as atividades ligadas ao turismo, vão registar perdas brutais e um conjunto de empresas deverão fechar por falência. A falta de atividade vai provocar uma queda abissal da faturação dos estabelecimentos e dos respetivos lucros. Por ricochete, todos os empregos ligados às atividades turísticas serão apanhadas na teia das dificuldades. 
-Quantas empregadas de limpeza não vão ter acesso ao rendimento mais consistente do Verão? 
-Quantos estudantes vão perder a oportunidades de pequenos empregos de Verão, na hotelaria, na restauração, nas atividades turísticas laterais que permitem pagar o ano de estudos seguinte? 
-Quantas famílias apostaram na compra a crédito de um apartamento para “fazer o alojamento local” e obter um rendimento suplementar e necessário para o resto do ano, para toda a família? Quantas podem perder ou até vão perder as suas casas por falta de capacidade de pagar as prestações? 
-Quantos restaurantes vão fechar de vez por não ter rentabilidade? 
-Quantas empresas de aluguer de carros vão ter um ano negro? Quantas fecharão? 
-Quantas lojas de “gifts” vão fechar por não haver turistas ou seja por não haver clientes? 
-Quantos fornecedores de lojas de “gifts” vão ter um ano em branco ou, não vão conseguir aguentar e terão de fechar? 
Em termos de empresas que gravitam à volta dessas empresas que têm o turismo como fundo de comércio, podemos interrogar-nos sobre o futuro de empresas que fornecem o serviço de combate às pragas, de empresas que subcontratam a limpeza da roupa, que fornecem os consumíveis para as caixas registadoras… 
O leitor poderá facilmente aplicar este raciocínio a outros setores de atividade e ver como é que em cascata todos vamos perder. Se tiver cinco minutos para refletir, imagine as consequências em cascata da crise atual no setor da moda e no setor automóvel. Verá que o panorama é assustador. 

Os retalhistas independentes parecem ser menos afetados 
É verdade que o confinamento teve como efeito a dinamização do comércio de proximidade alimentar. 
Ninguém pode interpretar esta subida de faturação como uma adesão dos consumidores, mas sim como uma consequência do estado de emergência e da obrigação do confinamento. 
Se a conjuntura inicial foi favorável ao comércio de proximidade alimentar e portanto amplamente favorável ao comércio independente e/ou associado alimentar, os tempos a vir serão outros. 
-O fim do confinamento e a reabertura progressiva das atividades vão levar os consumidores às lojas mais fortes em termos de marketing de comunicação; 
-A perca de rendimento como foi sublinhado no parágrafo precedente, vai levar muitos consumidores a apertar fortemente o cinto e portanto a terem muito cuidado nas despesas de supermercado. 

Em termos de saúde as consequências serão também fortes 
O confinamento levou muitas pessoas a experimentar o isolamento de longa duração. O Humano é um ser gregário. Para ele, fazer parte de um grupo é importante e contribui para o seu equilíbrio psicológico. O isolamento provocado pela obrigação do confinamento vai deixar marcas num conjunto de pessoas, como o stress, o nervosismo, a sensação de pânico, e outros desequilíbrios comportamentais. 
O medo que foi incutido através dos comunicados - se calhar necessários da DGS-, levou cidadãos a optar por não irem ao centro de saúde com medo de apanhar a Covid-19. Ou seja, há problemas de saúde que não foram tratados e tratamentos médicos que foram adiados e mesmo cancelados por doentes assustados em pôr os pés no centro de saúde. 
O regresso à normalidade será em grande parte o reflexo do que os Nossos Políticos serão capazes de fazer, para libertar as energias dos mais empreendedores. Libertar as energias das pessoas passa por: - A reabertura rápida de atividades que provocam em cascata a dinâmica de muitas outras; - Um tratamento fiscal que permite ao empreendedor, dono de uma empresa de pequena dimensão, de reconstituir a tesouraria que com alguns meses de inatividade ficou em muito mau estado. 

(*) Um think tank, laboratório de ideias, gabinete estratégico, centro de pensamento ou centro de reflexão é uma instituição ou grupo de especialistas de natureza investigativa e reflexiva cuja função é a reflexão intelectual sobre assuntos de política social, estratégia política, economia, assuntos militares, de tecnologia ou de cultura. (Wikipédia) 

Um abraço a todos os meus amigos-colegas e amigos-clientes. 
RB

domingo, 19 de abril de 2020

Certas decisões são arriscadas


No seu artigo de 16 de abril de 2020 (*) o José António Rousseau defende o fim da proibição para o setor grossista de vender apenas aos profissionais e aproveita, entre outros, o exemplo da abertura atual das lojas Makro de Portugal aos consumidores finais - em resposta à situação excecional e inédita provocada pela pandemia do Covid-19 - para dar força à sua ideia. 

Os grossistas independentes - um setor económico sob tensão desde há quase quarenta anos
No fim do século passado, o desenvolvimento e o sucesso em Portugal da distribuição moderna, ou seja o desenvolvimento de cadeias de hipermercados e de supermercados, pôs um travão brutal ao controlo do setor alimentar pelos grossistas que ainda na altura abasteciam várias dezenas de milhares de lojas. A conquista do mercado Português pelos grupos de distribuição retalhista moderna incluía o desaparecimento dos grossistas. A lógica é simples de perceber: o desaparecimento de uma boa parte do retalho tradicional teria feito desaparecer os grossistas tradicionais e, sem grossistas, os retalhistas tradicionais sobreviventes teriam deixado de ter a fonte de abastecimento e teriam desaparecido rapidamente, deixando a via livre para o controlo total do mercado pelas empresas de distribuição moderna. 
Estudos dos anos 90 projetavam um desaparecimento a curto prazo do retalho tradicional e por ricochete do sector grossista. 
Trinta anos depois podemos observar que mesmo com uma evolução clara do mercado da distribuição, ainda existe um conjunto de grossistas independentes que abastecem com regularidade perto de 10.000 lojas do retalho alimentar. Nem tudo é cor-de-rosa mas, os grossistas independentes aguentam. As centrais tais como Euromadiport (de que faz parte a central UniMark), Uniarme, Unapor continuam ainda de pé e prosseguem os seus serviços para os seus associados espalhados pelo país. 

Mas, podemos imaginar, como exercício de reflexão, a abertura dos cash & carry aos consumidores finais
No que respeita aos grossistas independentes, se calhar não haverá a tal catástrofe com que sonham os pássaros de mau agoiro, pois de repente poderão dizer em alto e bom som que são os únicos capazes de abastecer os retalhistas independentes sem lhes fazerem concorrência. Aliás, seria a sua única alternativa porque a maior parte dos grossistas independentes não tem nem meios nem estrutura que permita receber um fluxo forte de consumidores finais. Por exemplo, apenas uma estreita minoria de grossistas independentes pode proporcionar um parque de estacionamento para um fluxo forte de consumidores finais. 

Mas será que abrir os cash & carry aos consumidores finais será uma boa operação para a Makro? 
Deixo aqui ideias para o Sr. #DavidAntunes CEO da Makro Portugal. 
À priori, as lojas da Makro Portugal possuem uma estrutura que permitiria uma rápida mutação caso fosse necessário, quer em termos de espaço de venda, quer em termos de parque de estacionamento que permite absorver facilmente um fluxo interessante de consumidores finais. 
Mas, vários pontos espinhosos podem ser levantados: 
- Se a ligação com o retalho alimentar nunca foi a melhor, desta vez seria uma rutura profunda. E pior ainda, se os grossistas tradicionais não entrarem nesta via de forma óbvia; 
- Se a Makro se comportar como qualquer ator da distribuição retalhista, ela deixará de poder tirar proveito do seu estatuto de empresa líder no fornecimento ao segmento HORECA; 
- Será que a Makro Portugal tem os meios para poder competir com insígnias do retalho alimentar, estruturadas e fortes, como Continente, Pingo Doce, Intermarché e Lidl? Devemos relembrar que o ponto de equilíbrio de uma empresa de distribuição se situa num patamar de 20 unidades. O exemplo da Mercadona deveria ser suficiente para perceber que entre o desejar e o obter há um abismo, composto por muito tempo, muita energia e muito dinheiro; 
- As lojas de grande porte não são, hoje, os formatos mais procurados por consumidores envelhecidos que querem ter ao pé de casa uma loja de média dimensão, onde é fácil mover-se e encontrar uma gama alargada de produtos. 

Por fim, os mercados são o que são, país a país. Nem sempre o que funciona num país funciona num outro. Podemos ver que o hard-discount passou vários maus momentos (2 décadas) em França, e foi necessário que Lidl France atualizasse totalmente o seu conceito para poder evoluir positivamente. Auchan, Carrefour, Intermarché passaram um mau bocado na Itália. Sonae não conseguiu ter sucesso na sua aventura brasileira. A Costco, insígnia forte nos Estados Unidos, da qual falei no blog alojadaminharua quando abriu em Sevilha, implantou-se na Espanha e também em França, e parece ainda hoje estar reduzida a uma expressão confidencial. Quanto a comparar os mercados Português e Angolano dos cash & carry, acho que é um exercício muito arriscado. 

Boa reflexão e, bom trabalho. 
O seu sucesso está nas suas mãos! 
RB

sexta-feira, 27 de março de 2020

Se é verdade que o Covid-19 é um acelerador de eventos…


O coronavírus relembrou à maior parte dos Homens que o curso de uma vida pode rapidamente alterar-se e, que as certezas são pássaros posados num cabo elétrico e prontos a voar num ápice. E, o que vale para os Homens vale evidentemente para as empresas. 

O Covid-19 levou o governo a declarar o estado de emergência que obriga uma grande parte dos portugueses a ficar em casa e as empresas que têm uma atividade qualificada como não-essencial a fechar. De repente, uma fatia significativa do país fica sem poder trabalhar, em paralelo com lojas e empresas paradas. A situação, bem que decretada para o bem das pessoas, não pode ser inócua, vai doer e mesmo provocar uma limpeza acelerada do mercado da distribuição. 

Podemos questionamo-nos sobre a operação Mercadona 
Mercadona investiu muito em estrutura, logística e recursos humanos para, segundo o que disseram há 1 ano atrás, poder avançar rapidamente na conquista do mercado Português. 
Primeiro as opções táticas tomadas foram infelizes e Mercadona estava, segundo o que pude observar, aquém das expetativas em termos dos objetivos de conquista. Mas já tinha falado deste ponto num outro “post”. 
Segundo, nem o Covid-19 nem as suas consequências atuais foram contemplados, e ninguém pode ser criticado por isso mas, este “protagonista” pode acelerar uma retirada de Mercadona do mercado Português para se concentrar no seu mercado doméstico que vive um momento negro. 

Podemos questionar-nos sobre o setor grossista alimentar Português 
Como é que estruturas empresariais familiares, ou seja empresas pequenas ou muito pequenas, financeiramente fáceis de abalar, que atuam com uma mão-de-obra excessiva e com custos de funcionamento importantes poderão resistir às condições atuais do mercado? 
Como é que empresas presas num passado, que com certeza não voltará nunca mais, poderão resistir a este golpe traiçoeiro do Covid-19? 
1-Os clientes dos grossitas independentes, tais como os bares, os cafés, os snack-bares, os restaurantes já não são pontos de escoamento. Não são algumas bicas vendidas à porta de um bar que fazem a diferença! 
2-Os clientes tais como as mercearias, os minimercados e supermercados independentes são reféns de várias situações: 
Em zona urbana 
- Impacto das entregas a domicílio das insígnias tenores da distribuição organizada; 
- Impacto da comunicação dessas insígnias de destaque nos médias; 
- A qualidade da organização dessas insígnias para poder continuar com portas abertas; 
- No caso de um empregado ou o dono de uma loja independente ficar infetado, a loja fecha e dificilmente voltará a abrir. O medo será pior do que o Covid-19. 
Em zona rural 
- Impacto do envelhecimento da população, que fica em casa por obrigação mas também por medo de morrer, sobretudo se casos de infeção forem detetados na vizinhança e pior ainda no caso de morte de uma pessoa conhecida; 
- Impacto das empresas de apoio social que levam a comida pronta a casa das pessoas idosas; 
Como é que as empresas do setor grossista alimentar independente vão conseguir, nas suas condições estruturais próprias mas também a partir das centrais desajustadas e estruturalmente frágeis que as juntam, resistir às mudanças profundas que surgirão com o fim do tempo apocalíptico que estamos a viver? 
Nem umas nem outras estão preparadas para as mudanças que se avizinham! Os grossistas que contarão amanhã serão provavelmente outros, que substituirão antigas empresas arruinadas pela autossatisfação e o imobilismo! 

Amanhã é para conquistar mas dizer hoje que o mercado está em movimento é um eufemismo, pois o movimento será feito em cima dos escombros de uma época que chegou ao seu fim. 
Boa reflexão e, bom trabalho. 
O seu sucesso está nas suas mãos! 
RB

domingo, 1 de dezembro de 2019

A “famosa gama 1€” ou a problemática do primeiro preço!


O Sr. Benjamin G. jovem retalhista, apaixonado pela sua profissão, e que conheci alguns anos atrás no decorrer de formações de organização do ponto de venda e de merchandising, organizadas pelo cash Malaquias e promovidas pela central de compra UniMark, enviou-me há poucos dias uma pergunta sobre a “famosa gama 1€”. 

Os subpontos da pergunta do Sr. Benjamin são os seguintes: 
- Até que ponto é importante no sortido de uma categoria? 
- Qual o nº de referências que esse tipo de produtos deve ter nas prateleiras? 
- Quais os cuidadosa  ter em termos de margem? 

Em primeiro lugar gostava de sublinhar que a problemática dos primeiros preços vem de longe e não está perto de acabar. No caso concreto do retalho independente, a tentação tem a ver com 2 elementos pesados: 
1-Muitos retalhistas independentes, com medo de perder clientes, tentam encontrar sempre produtos baratos e nesta perspetiva não se questionam sobre a qualidade do produto vendido desde que este seja barato. Se eles se preocupassem com a qualidade, provavelmente afastariam os produtos de primeiro preço que são de facto produtos de menor qualidade. 
2- Os retalhistas independentes têm carências em termos de gestão comercial e mais precisamente na gestão da margem dos produtos. Assim, quando aparece um fornecedor que propõe um produto já etiquetado com um preço de venda de 1€, muitos retalhistas ficam satisfeitos por não ter de fazer essa parte da gestão comercial dos preços. 

Em segundo lugar, gostava de lembrar aos retalhistas do retalho independente e associado que mesmo durante os momentos mais duros e penosos da crise económico-financeira que assolou Portugal, os primeiros preços não ultrapassaram em média os 4% das vendas, ou seja 96% das vendas foram feitas com as marcas e as MDD- Marca dos distribuidores. Eu lembro-me muito bem de acompanhar muitas lojas nesse período e de ver a seguinte articulação do mês, em termos de vendas nas lojas alimentares: 
De dia 1 a dia 15 do mês, as vendas eram feitas essencialmente com produtos de marca dos fornecedores e depois com MDD; 
De dia 16 a dia 27 do mês, as vendas eram feitas essencialmente com mais produtos de MDD e a seguir com marcas de fornecedores; 
Nos últimos dias do mês, quando o dinheiro era escasso nos lares, alguns dias antes de receber o ordenado, os consumidores compravam produtos de primeiro preço. 

Caro Benjamin, agora para responder mais precisamente às tuas perguntas. 

Até que ponto a gama 1€ é importante no sortido de uma categoria? 
Podemos reparar que a gama 1€ é sobretudo visível nas lojas dos retalhistas independentes, com certeza porque são alvos fáceis de convencer, segundo as razões que expliquei supra. 
Uma oferta de produtos a 1€ pode ser útil para responder às expetativas de preço dos clientes, mas neste caso é o retalhista que deve “construir” essa oferta. Assim os clientes podem ter um produto a um preço que acham apelativo e o retalhista pode controlar o seu nível de margem, ou seja a rentabilidade do produto. 
Em termos de sortido, a marca líder, em geral uma marca de fornecedor, representa a referência do mercado. A MDD, a marca do distribuidor, representa uma alternativa de preço menor para uma boa qualidade, ver uma qualidade similar à marca do fornecedor. Eu sublinho que, segundo os períodos, a MDD flutua em termos de qualidade. Hoje, estamos a viver um período onde sob o efeito concorrencial, as MDD “deslizam” em comparação com a qualidade das marcas líderes. Os primeiros preços representam apenas uma alternativa de preço, a qualidade intrínseca dos produtos sendo básica. Basta ler os ingredientes no rótulo dos produtos para perceber que o produto de 1º preço vale pouco! 

Qual o nº de referências que esse tipo de produtos deve ter nas prateleiras? 
Se se fala da gama etiquetada a 1€, eu diria poucas. A gama 1€ deveria ser limitada, como sendo apenas uma resposta às expetativas de preço barato de certos consumidores. Não é uma gama que fortalece o consumo nem a rentabilidade da atividade. 
Se se fala do segmento de produtos vendidos a 1€, diria que depende dos segmentos de produtos. Existe um conjunto de segmentos onde existem produtos vendidos a 1€. Benjamin, no teu mail, tu utilizaste o exemplo das bolachas e sabes bem que nessa categoria é muito fácil ter produtos vendidos a 1€, sem precisar de ter uma etiqueta de 1€ carimbada na embalagem. 

Quais os cuidados a ter em termos de margem? 
Os produtos da gama pré-etiquetada (carimbada) a 1€, são vendidos pelo vendedor com tendo 20% de margem. Todavia, o que valem esses 20%? São 20% sobre as compras ou sobre as vendas? Porque se for 20% sobre o preço de compra, isso quer dizer que são apenas 16,66% sobre o preço de venda. 16,66% sobre 1€ não dá para fazer uma festa! 
Os retalhistas devem perceber que eles devem definir, eles próprios, os preços de venda dos produtos que compõem o sortido da loja, e mais ninguém! 
No caso da gama 1€, não tenho dúvida de que quem controla a margem é o vendedor do produto e que o retalhista recupera apenas as migalhas. 
O que proponho 
Vou cingir-me às bolachas, mas os retalhistas podem alargar o raciocínio a outros segmentos de produtos. Contatei O Sr. Ricardo Malaquias, do cash Malaquias, de Ovar e perguntei-lhe qual era o preço de venda “grossista” aos retalhistas, das bolachas “wafers” a marca de distribuição Alteza
- O preço de venda do cash aos retalhistas é de 0,47€. 
- Para um PVC - produto vendido com Iva aos consumidores - a 1€, o Iva a 23% é de 18cts; 
- O Preço de venda sem Iva é de 0,82€ 
- Neste caso a margem em valor (€) para o retalhista é de 0,82-0,47=0,35€ 
Ou seja: 
- Uma margem sobre o preço de compra de (0,35/0,47) x 100 = 74,47% 
- Uma margem sobre o preço de venda de (0,35/0,82) x 100 = 42,68% 
Estamos longe dos 20% e dos 16,66%! 

Em conclusão 
Se para responder às características do seu mercado o retalhista deve ter uma oferta de produtos a 1€, a solução mais rentável é a de construir ele mesmo essa oferta. Como neste caso o produto não será pré-etiquetado (carimbado) a 1€, o retalhista deverá colocar stoppers na frente das prateleiras que tiverem esses tipos de produtos! 
Sublinho também que neste caso, além de garantir um nível de rentabilidade correto, o retalhista oferece aos seus clientes um produto com um nível de qualidade correto. 
O retalhista não deve deixar a outros a gestão da sua margem! 

Caro Benjamin, espero ter respondido à tua pergunta e fico aberto ao teu feedback. Boa reflexão e, bom trabalho. 

O seu sucesso está nas suas mãos! 
RB

domingo, 24 de novembro de 2019

Conversa improvisada com o Sr. Ricardo Malaquias, dirigente do cash Malaquias, membro da direção da UniMark e Presidente da rede de lojas Aqui é Fresco.


Aproveitando a minha passagem na zona de Ovar, no fim do dia de quarta-feira 20 de Novembro, encontrei o Sr. Ricardo Malaquias; um encontro improvisado durante o qual falámos sobre um largo leque de temas relacionados com o setor da distribuição. 

Em Portugal, onde se vive em aparência um momento de certa euforia em termos de atividades económicas, o mundo da distribuição está a viver um momento bastante incerto. Para o setor da distribuição, a euforia atual não consegue esconder as turbulências profundas ligadas às evoluções sociológicas, às evoluções tecnológicas e às pressões da concorrência. 

Deixo aqui a minha posição sobre vários temas. 

O que devem temer os grossistas tradicionais do setor alimentar nos tempos a vir? 
O setor grossista tradicional é hoje o elo mais frágil da cadeia de distribuição. Frágil porque o mercado é controlado de forma esmagadora por cadeias retalhistas de distribuição hegemónicas, e porque essas cadeias desenvolveram atividades conexas de comerciantes retalhistas associados, abastecidos pelas suas centrais. O elo grossista puro já não é imperativo. 
O que pode ser ainda mais aterrador do que a pressão dos grandes “players” da distribuição retalhista é o desenvolvimento da pressão dos sobcontratantes. Os sobcontratantes sendo as empresas como Amazon e Alibaba que, beneficiando de um acesso extraordinário aos consumidores através de ferramentas tecnológicas avançadas, posicionam-se sob as empresas e condicionam o seu acesso ao mercado a uma relação de vassalo/senhor. 
Hoje falamos de Amazon e da Alibaba por serem as empresas mais conhecidas no comércio on-line mas, não há dúvidas de que haverá operadores nacionais cada vez mais presentes neste segmento de atividade. 

Será que a Mercadona é uma ameaça séria? 
De fato, à partida Mercadona é uma ameaça porque é mais um operador num mercado já bem ocupado, complexo e hiperconcorrencial. Todavia, Mercadona cometeu erros dos quais já falei em outros artigos. Conquistar um mercado não se limita a gastar milhões de euros. A Mercadona está a provar mais uma vez a amargura de uma “expedição” além das suas fronteiras naturais. “Veni, vidi, vici” não será para já! Vários erros podiam ter sido evitados mas, por vezes o autismo do conquistador pode ter consequências indesejadas! 

O que dizer dos sobressaltos do comércio urbano organizado? 
A concentração urbana em Portugal é uma realidade incontornável! Uma realidade que levou as grandes insígnias que tinham completado o controlo da distribuição periurbana a tentar entrar nos bairros, no coração das cidades. A ideia faz sentido, mas um conjunto de obstáculos tem de ser ultrapassado tais como os custos do metro quadrado do imobiliário que tornam pesado o investimento inicial; os custos da logística, para amenizar o custo do último quilómetro; a gestão da questão da amplitude horaria, que obriga a gerir vários turnos de trabalhadores; a gestão do cabaz médio, tendo em conta que o consumidor urbano compra pouco de cada vez; a gestão do sortido, porque por exemplo Lisboa tem uma multidão de facetas em termos de segmento de residentes etc.. 
Em termos do mercado urbano, a insígnia Pingo Doce tem uma vantagem séria sobre os seus concorrentes e, do lado oposto do espectro, a insígnia My Auchan por exemplo parece não estar a conseguir montar uma operação rentável. Pingo Doce tem uma vantagem histórica e tem lojas bem inseridas nos centros urbanos. 
Os sobressaltos urbanos não vão parar amanhã, pois estamos a assistir à vontade de empresas do comércio on-line de entrar no jogo do abastecimento diário dos clientes. A Amazon é a mais conhecida a este nível, mas as empresas de “delivery” querem também ocupar o espaço aberto pela evolução das empresas do Web e do impacto que estas últimas tiveram no consumo; Uber é uma dessas empresas. 

Neste contexto de grandes mudanças, como encarar o futuro dos retalhistas independentes e associados? 
O mercado oferece oportunidades para qualquer fórmula comercial que saiba responder às exigências e às expetativas dos consumidores. Portanto o retalho independente vai continuar a existir, há indivíduos empreendedores que sabem analisar o mercado e sentir as tendências. Lisboa viu, no decorrer dos últimos anos, o aparecimento de novas lojas, posicionadas em nichos de mercado rentáveis. São sempre projetos de jovens empresários cheios de vontade de ter sucesso! 
As lojas do retalho organizado em rede, como por exemplo a rede Aqui é Fresco, têm também com certeza o seu espaço no mercado. Todavia, fujo ao pensamento único que defende um projeto e uma linha para todos e penso que, para ter sucesso amanhã, as redes de retalhistas deverão basear-se em bases comuns, constituídas por regras e normas partilhadas mas, com um leque de declinações extremamente aberto para responder às especificidades dos micromercados, e às expetativas dos retalhistas em termos de posicionamento. As ferramentas tecnológicas tornam possível hoje o que ontem parecia impossível ou complicado de se fazer. 

Espero que a exposição destes temas dê a cada leitor matéria para refletir. 
Boa reflexão e, bom trabalho. 
O seu sucesso está nas suas mãos! 
RB