Considerando que as grandes regiões de Lisboa
e do Porto representam, segundo as informações divulgadas pela Pordata, 44,14%
da população portuguesa, refletir sobre o futuro do retalho independente
tradicional nestas áreas é um exercício importante.
As lojas do retalho tradicional têm de enfrentar fortes desafios
O primeiro desafio
é o envelhecimento da população retalhista, da geração que conheceu dias sumptuosos a partir dos anos 80 até à primeira década do século 21. O
envelhecimento é um motivo de falta de investimento na modernização das lojas,
pois para estes retalhistas ter as portas das suas lojas abertas é uma forma de
não arrumar já as botas. Em geral, esses retalhistas encorajaram os seus filhos
a tirarem uma licenciatura para que tivessem uma profissão mais reconhecida do
que a de merceeiro e sobretudo para que tivessem uma vida mais leve, pois ser
retalhista é uma profissão que exige muito das pessoas em termos de
disponibilidade e de esforços. Portanto a loja está vocacionada a fechar ou a
ser vendida quando quem a criou falecer.
O segundo desafio
é a falta de motivação das gerações mais jovens para exercer uma profissão tão
exigente. Numa sociedade de lazeres, parece legítima a aspiração dos indivíduos
a uma vida que lhes proporcione tempo para estar com a família e os amigos.
O terceiro desafio
é a deliquescência do elo grossista outrora forte e dinâmico. Cada conhecedor
do universo da distribuição concordará que nas últimas 3 décadas houve uma
hecatomba no segmento dos grossistas. Para falar só da região de Lisboa apenas
lembro que Manuel Nunes & Fernandes era uma empresa grossista de forte
expressão antes de desaparecer do mapa, e também que a Luta em Alcoitão era
vista como o grossista chave da região de Cascais. Se as mesmas causas têm os
mesmos efeitos, podemos ficar um pouco assustados com o futuro de organizações
atuais que funcionam num mundo passado!
O quarto desafio
é o aparecimento de lojas detidas por indianos e chineses que têm uma visão
rudimentar da loja de rua mas que subtraem uma parte do mercado.
O quinto desafio
é a entrada das insígnias dos grupos líderes da distribuição em Portugal como
Continente, Lidl, Auchan, Intermarché, nos centros urbanos para não deixar Pingo
Doce ocupar sozinho este espaço.
O sexto desafio
é o preço do m2 para comprar ou arrendar uma loja nos grandes centros urbanos.
Os valores pedidos são tão avultados que tornam quase impossível uma “aventura”
individual.
São pontos fortes que não permitem pensar numa reviravolta do
mercado em favor do retalho alimentar tradicional nas regiões urbanas tais como
Lisboa e Porto.
Haverá o desaparecimento por completo dos comerciantes
independentes?
É pouco provável que os
comerciantes independentes do setor alimentar venham a desaparecer por completo.
O que é provável é o desaparecimento
do minimercado tradicional, generalista, que vende um pouco de tudo.
Os retalhistas de amanhã
serão indivíduos que saberão especializar as suas lojas num segmento de
produtos, propondo por isso um leque de produtos profundo e rentável, em lojas
desenhadas e articuladas para criar um universo totalmente coerente com as
expetativas dos clientes potenciais.
Nessa ótica, é provável que
apareçam ainda mais grossistas especializados, capazes de oferecer um apoio
técnico forte às lojas clientes e que os grossistas tradicionais e generalistas
tenham de enfrentar momentos difíceis aos quais poucos sobreviverão. Qual é a
organização que pode sobreviver passando ao lado de 44,14% do mercado de um
país?
A reorganização do setor da distribuição que está a acontecer
vai renovar profundamente a relação comercial nas grandes cidades como Lisboa e
Porto.
As grandes insígnias do
comércio integrado como Continente, Jumbo, Pingo Doce, Lidl, mas também
Mercadona e Aldi vão aumentar a sua procura de mais penetração do mercado,
porque parar é arriscar perder a sua posição e – pior - morrer. É por essa
razão que entrar em força nos bairros dos centros urbanos é tão importante para
essas insígnias.
As grandes insígnias do comércio
associado são poucas. A insígnia Intermarché vai seguir a dinâmica dos grupos
integrados pois não pode arriscar deixar-se distanciar. A insígnia Coviran
parece ser a única capaz de acompanhar os retalhistas dos centros urbanos que
querem posicionar-se numa lógica de loja de tipo supermercado generalista. A insígnia Spar parece
querer apostar em lojas integradas, se calhar por não ter tido a capacidade de desenvolver
uma rede forte de lojas em franchising, em consequência de fraquezas da própria
organização em Portugal.
O retalho independente não vai desaparecer; ele vai mudar e, vamos
ver aparecer, como já foi referido acima, lojas especializadas detidas por comerciantes
apaixonados pela sua atividade. Essa atividade será baseada em segmentos de
produtos rentáveis, que permitem fazer viver pontos de venda de pequena
dimensão, inseridos em bairros urbanos dinâmicos. Esta mudança vai privilegiar novos circuitos
de aprovisionamento, circuitos especializados, curtos, jogando na híper-proximidade
e na hiper-reactividade com os retalhistas.
Boa reflexão e
bom trabalho,
O seu sucesso
está nas suas mãos!
RB