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domingo, 30 de dezembro de 2018

Os grossistas do setor alimentar encalhados entre uma sociedade algorítmica e um drama shakespeariano


O período de transição entre o fim e o início do ano é propício para fazer um ponto da situação. Aproveitando esse momento, queria abordar o universo grossista do setor alimentar e lançar alguns pontos de reflexão, pois esse setor de atividade está a viver momentos de grandes incertezas! Em quase 30 anos, o mercado mudou consideravelmente. 

Em 1993, se bem me lembro, existiam ainda perto de 44000 lojas do retalho alimentar. Os hipermercados eram tão poucos que as filas de espera nas caixas de pagamento eram longas. Insígnias como AC Santos, Europa, Novo Mundo, Polisuper, Sampedro faziam parte do panorama da revista profissional Distribuição Hoje. Intermarché tinha acabado de chegar, Lidl e Aldi, não estavam ainda a operar em Portugal, Pingo Doce era uma insígnia em plena transição, as lojas Continente independentemente da declinação da altura - eram poucas. Era um outro mundo, uma outra época, uma época em que o retalho independente contava. 
Hoje, as insígnias como AC Santos, Europa, Novo Mundo, Polisuper, Sampedro desapareceram, milhares de lojas independentes fecharam em todo o país e, o retalho independente deve contar aproximadamente 11000 lojas. Em 30 anos fecharam ¾ das lojas independentes. O retalho alimentar tornou-se uma atividade de grandes insígnias organizadas, estruturadas, integradas possuindo uma poderosa logística e uma força negocial incrível. Hoje qualquer cidadão português vive perto das insígnias Continente, Jumbo, Pingo Doce, Intermarché, Lidl, Minipreço. 
Na última década, a digitalização da economia, tendência que veio para ficar, ampliou as alterações profundas do mercado. A digitalização do comércio implica a gestão da Data - os dados do mercado, para que as empresas possam aproximar-se o mais possível dos consumidores. Estamos a viver na sociedade dos algoritmos que permitem processar a Data (os dados) como nunca foi possível e, num ápice! 

Obviamente essas evoluções do mercado tiveram, têm e terão consequências sobre a atividade grossista. 

Os grossistas estão numa encruzilhada 
Qual é perspetiva a médio e longo prazo dos grossistas “pure players”, sabendo que o mercado está a ver uma diminuição dos pontos de venda independentes? Pior ainda, qual é a perspetiva de crescimento da rentabilidade operacional quando vários grossistas partilham o abastecimento de lojas com uma faturação fraca, na ordem dos 4000€/6000€ mensais? 
Como imaginar um futuro promissor quando o mercado de atuação está numa fase de contração? Temos de concordar sobre um ponto: o grossista vive do escoamento do elo seguinte. Se o escoamento das lojas diminui ou deixa de existir porque a loja fecha, o grossista não pode sobreviver. 
Os grossistas do setor alimentar estão condenados a terem lojas próprias bem estruturadas, para proporcionar uma base de escoamento independente de terceiros. É o que fez a empresa grossista Emater situada na Ilha da Terceira, que nos anos 2000 revolucionou o seu modelo e passou a ter supermercados próprios que lhe asseguram um escoamento contínuo, de boa qualidade, e que lhe permitem assim confortar as suas capacidades de operador grossista. 
Para os grossistas aplica-se a ideia popular de que um infortúnio nunca vem só. Efetivamente, por um lado os grossistas assistiram à tomada do controlo do mercado por insígnias fortes e, por outro lado, assistiram, na última década, ao aparecimento de insígnias de proximidade como Meu Super, Coviran, Amanhecer, Spar …etc., que amplificam a subtração de pontos de escoamento potenciais. 

Os grossistas e o drama shakespeariano 
As dificuldades atuais de mudança de modelo de atuação dos grossistas tradicionais têm a ver com a história de cada empresa. Na origem, houve sempre um Homem excecional, trabalhador, cheio de vontade de empreender, sabendo tomar riscos e dotado de uma capacidade de liderança. Uma vida que força o respeito de toda a gente e em primeiro lugar dos herdeiros. O ponto crítico começa com a segunda geração, se esta for composta por mais do que uma criança. De facto, se os herdeiros forem pelo menos 2 pessoas, e que essas 2 pessoas tiverem por sua vez 2 crianças cada, em 2 gerações passamos de um criador da empresa a 4 herdeiros. É fácil perceber que se o criador da empresa tiver 3 crianças e que esses tiverem pelo menos 2 crianças, é preciso que a empresa cresça muito para assegurar um lugar a cada indivíduo da segunda geração, de forma a evitar problemas de liderança e de sucessão. É o drama shakespeariano! Para quem quer uma história mais digesta do que Hamlet, pode voltar a ver o Rei Leão para perceber o que é o drama shakespeariano. 
Para a maior parte das empresas grossistas independentes, é necessária uma reflexão para definir qual será o modelo empresarial que melhor pode garantir o futuro da empresa e dos herdeiros. Deixo infra um conjunto de links relativos a “posts” que escrevi no blog Alojadaminhrua no decorrer dos últimos anos. Podemos observar que, à nossa volta, as empresas de sucesso são de tipo S.A., modelo que permite uma gestão totalmente diferente dos recursos quando comparado com as empresas familiares. Esta situação é positiva para a empresa e os colaboradores que diariamente a fazem viver e, para os acionistas que representam os reais líderes da empresa. Os acionistas ficam na retaguarda e a direção executiva é entregue a um especialista.
No universo da distribuição alimentar, os anos vindouros vão ser extremamente dinâmicos e marcados por mudanças fortes. Às insígnias atuais que lideram a distribuição, teremos de acrescentar a vinda de outros operadores físicos tais como Mercadona mas também e possivelmente Costco e, uma maior pressão da parte dos operadores do digital. Desconheço que acordos foram assinados ou encaminhados no decorrer da visita do presidente chinês Xi JinPing mas, podemos razoavelmente pensar que no projeto da nova rota da seda tecida pelos chineses pode haver projetos que envolvam entidades como a JD.com. Para que o leitor possa refletir sobre o assunto, dou aqui o resumo dos elementos chave que caracterizam JD.com e que foram publicados na revista LSA Nº2518 de 23 de Agosto de 2018: 301,8 milhões de clientes ativos por ano, 500 armazéns dos quais 1 é totalmente automatizado e 15 são fortemente automatizados, 7000 estações de entrega, 99% da população chinesa está coberta pela sua rede logística, 90% das encomendas são entregues num prazo de 24 a 48 horas, 40 drones entregam diariamente produtos em 2 províncias rurais, 4 conceitos de lojas foram lançados desde o fim de 2017

Cuidado, cuidado, estamos a entrar numa zona de turbulências! 

Boa reflexão e bom trabalho, 
O seu sucesso está nas suas mãos!
RB

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